24/01/2015 - O CAPITAL DO SÉCULO XXI




Após ter feito antecipadamente uma semana de artigos, cada um de uma página, conforme é praxe, em razão de ligeiras férias, a continuidade do blog ocorreu com a leitura do atual best seller de Thomas Piketty, intitulado “O Capital no Século XXI”. Em princípio, o autor reconhece que o título adequado seria “O Capital no Advento do Século XXI”. Porém, ele se utilizou de título pretensioso, por isso mesmo polêmico. Na verdade, o livro é muito bom, usando dados estatísticos para 20 países do banco de informações World Top Incomes Database, trabalhos de 30 pesquisadores mundiais. Além de formação teórica, o escritor, conforme atesta Antônio Delfim Netto: “Extraordinária pesquisa histórica organizada em torno de sólidos conhecimentos econômicos”. O texto é sobre distribuição de renda, confirmando a teoria de que, há proeminência do capital sobre o trabalho em suas relações, em secular tendência da concentração de renda. Porém, quando há crise de realização capitalista, pode haver também reversão da tendência, por fortes movimentos populares e atuação governamental.

Segundo Piketty, “A contradição central do capitalismo é a principal força desestabilizadora relacionada ao fato de que a taxa de rendimento privado do capital (r) pode ser forte e continuadamente mais elevada do que a taxa de crescimento da renda e da produção (g). A desigualdade ‘r’ maior do que ‘g’ faz com que os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais rápido do que a progressão da produção e salários”. É quase tudo que Karl Marx anunciou. O autor verificou que no século XIX ocorreu tal fato. No século XX o fenômeno se reverteu. No século XXI a contradição central do capitalismo parece que volta a se repetir. Trata-se de uma curva no formato de ‘u’, onde no eixo dos ‘y’ se colocam as classes de renda e nos eixos de ‘x’, no sistema de coordenadas cartesianas. Ou seja, no século XIX, Karl Marx percebeu isso, na faixa ascendente da curva. Simon Kuznets verificou o contrário, na faixa descendente da curva, no século XX (em 1953). Já no século XXI os indícios são de que existe a fase ascendente da curva de rendas, também chamada a provável parabólica de ‘curva de Kuznets’. Para Marx, o capital sempre iria obter maior taxa de rendimento do que o trabalho. Para Kuznets, houve reversão disso no século XX, em razão das crises do capitalismo, notadamente nas proximidades da primeira guerra mundial (1914-1917), da grande depressão (1929-1939) e da segunda guerra mundial (1939-1945). É claro, no século XX houve grande avanço das classes trabalhadoras, o qual se prolongou por todo o século XX, embora Kuznets se referia aos meados do século passado.

Visando melhor distribuição de renda, como conclusão geral, o autor aduz que “A melhor solução é o imposto progressivo anual sobre o capital”, em faixas de 0,1%, para pequeníssimos patrimônios, até de 10%, para patrimônios descomunais. Antes que o chamassem de visionário, ele se refere a que “A dificuldade é que o imposto progressivo sobre o capital exige um alto grau de cooperação internacional e integração política regional”. Enfim, a sua defesa é de regulação do capital no século XXI. Difícil de acreditar, já que “quem botará o sino no gato?”, segundo ensinamento da fábula de La Fontaine.

O livro de quase 700 páginas se baseou nos vinte maiores países (não afirma que seria o G-20, no que parece). No entanto, realiza tratamento estatístico para oito países ricos: Estados Unidos, Japão, França, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Itália e Austrália. Cita várias vezes a China como grande vetor de transformações do atual século XXI, sem projeções como as dos ricos. Refere-se à Índia, Rússia, outros emergentes e cita somente uma vez o Brasil. Em análise, não é um trabalho comparativo com os continentes. Em resumo, trata-se de livro muito bom e polêmico. Por fim, o comentário a seguir do famoso The Economist é exagerado, mas se entende: “Maior do que Marx. Nenhum outro trabalho sólido sobre economia chegou tão perto de ganhar a condição de ícone pop”. Ou, também a citação contida na capa final do livro, de Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, colunista do New York Times: “Piketty transformou nosso discurso econômico; jamais voltaremos a falar sobre renda e desigualdade da mesma maneira”. As três citações acima aqui estão no mesmo lugar do final da capa.

Salvo melhor juízo, o capital, segundo Marx, “é valor, que se valoriza”, dado que a curva de ‘u’ poderá por séculos a frente a se repetir. Entretanto, há também momentos longos, seculares, em que a tendência em referência se inverte.

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